Lançado o projeto “60 anos do Estatuto da Terra”

Reforma agrária é o conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, atendendo aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. Em 30 de novembro (quinta-feira), esta definição legal completa 59 anos. Ela foi criada pela Lei n° 4.504/1964, o Estatuto da Terra, que fundamenta a execução e a promoção da política agrícola no Brasil, regulando direitos e obrigações sobre os imóveis rurais.

Para marcar a data e preparar o próximo aniversário da lei, a Associação dos Servidores da Reforma Agrária em Brasília (Assera/BR), em parceria com o Incra, com a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), lançou o projeto “60 Anos do Estatuto da Terra: a reforma agrária como instrumento de inclusão social, segurança, soberania alimentar e desenvolvimento sustentável”. O ato aconteceu nesta quarta-feira (29), no auditório do Incra, em Brasília, com painéis sobre temas relacionados à lei.

Segundo a diretora da Asera/BR, Luciane Renault, a intenção é elaborar, no período de um ano, dois estudos sobre o Estatuto: um sobre ordenamento jurídico e outro sobre reforma agrária. “O Brasil continua tendo a maior concentração fundiária do planeta, os conflitos no campo aumentaram, a fome voltou, e é a agricultura familiar quem produz alimentos. Tudo isto justifica a realização deste seminário, a continuidade da nossa luta. O Incra precisa se fortalecer para atuar”, considerou, reforçando a importância e atualidade da atuação da autarquia. Servidores participaram do lançamentoA presidente substituta do Incra, Débora Guimarães, saudou a proposta de avaliar o Estatuto da Terra até os seus 60 anos. “A reforma agrária é extremamente complexa. Ouso dizer que o Brasil é o fruto de uma reforma agrária não feita. O nosso papel é de uma relevância e de uma importância que talvez em palavras seja difícil descrever. Persistimos em luta, em dizer que é relevante, somos essencialmente teimosos”, disse na abertura do evento, dirigindo-se especialmente aos servidores do instituto e aos representantes dos movimentos sociais presentes.

“Terra é poder. Revisar as estruturas de poder é democratizar de fato o país. O trabalho realizado pelo Incra é fundamental”, afirmou a secretária executiva do MDA, Fernanda Machiaveli. Ela registrou avanços neste primeiro ano de governo, como o Plano Emergencial de Reforma Agrária, com meta de assentar 5,7 mil famílias e regularizar outras 40 mil; a reestruturação do Incra, em andamento; e a destinação de mais de 700 vagas em concurso público para novos servidores. “Quem escolheu o Incra para trabalhar tem a responsabilidade de servir à sociedade, e de fazer uma transformação no país. Estamos juntos neste processo, tanto da retomada da reforma agrária quanto do fortalecimento do Incra”, ressaltou.

O professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Girolamo Treccani, proferiu palestra abordando a questão fundiária na Amazônia, e iniciou comentando alguns aspectos da lei. Para ele, o valor do Estatuto da Terra perdura até hoje. “Temos coisas para fazer, mas não será uma nova norma, o que vai resolver é vontade política. Oxalá este governo coloque em prática os institutos da lei. Não priorizar a colonização, nada contra, mas é um instrumento bem mais frágil que um programa de reforma agrária”, considerou.

O evento, prestigiado por servidores, representantes de movimentos sociais e de instituições de ensino e autoridades contou ainda com palestras de Guilherme Delgado, da Abra; do professor da UnB, Mauro Del Grossi; do adjunto da Advocacia-Geral da União, Júnior Fidelis; e de Vitor Fernandes, do Instituto Governança de Terra.

O Estatuto

Sancionado no primeiro ano da ditadura militar, o Estatuto da Terra traz as marcas da sua complexidade histórica. Sua elaboração não ignora os debates em torno da necessidade da distribuição de terras que remontam à década de 50, à formação das ligas camponesas, até à própria proposta do governo deposto de João Goulart, integrando as “reformas de base”.

Foi a lei que definiu, por exemplo, a função social da terra como o cumprimento de requisitos simultâneos: favorecer o bem-estar das famílias que nela trabalham e vivem, manter produtividade satisfatória, conservar os recursos naturais e observar as disposições legais das relações de trabalho. Esta perspectiva foi adotada, posteriormente, na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 186, e é o preceito norteador das desapropriações para fins de reforma agrária.

Pelo Estatuto, é dever do poder público criar as condições de acesso dos trabalhadores rurais à propriedade da terra e zelar pelo cumprimento da função social – atribuições assumidas na esfera federal pelo Incra desde sua criação, em 1970. Para a execução da reforma agrária, previa um fundo nacional e a realização de planos periódicos, nacionais e regionais.

A lei também dispôs sobre a colonização oficial e particular, servindo como base para a ocupação de áreas do Norte do país, em sintonia com a política de modernização agrícola e integração territorial preconizadas no período da ditadura, que previa a ocupação dos “grandes vazios” no território brasileiro.

Outros conceitos importantes, fundamentadores até hoje do ordenamento do território nacional, como a noção de imóvel rural, propriedade familiar, módulo rural, entre outros, também estão presentes no Estatuto. Em seu artigo 46, a lei registra a necessidade de levantamento de informações para a elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo o país – o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), mantido pelo Incra e criado em 1972.

Falar do Estatuto da Terra, portanto, é falar da missão do Incra. O dia provoca não apenas uma recuperação histórica, mas uma reflexão de futuro sobre a importância da governança fundiária e a atualidade da reforma agrária.

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